Literatura e Filosofia

A literatura é uma forma de espanto, uma fenda pela qual olhamos o mundo na procura de sentido. Escreveu Aristóteles na Metafísica: “Ora bem, quem se sente perplexo e espantado reconhece que não sabe (daí que o amante do mito (philómythos) seja, a sua maneira, “amante da sabedoria” (philósophos): já que o mito se compõe de espantos” [1]. A mitologia engendrou a filosofia como o caos engendrou a noite. “Por isso”, escreveu Eduardo Lourenço, “o discurso é tão pálido em face dos mitos” [2].

Após o banimento dos poetas da República platônica, a poesia restou na periferia do pensamento ocidental, se nutrindo dessa marginalidade para aprofundar no ser desde um outro olhar. Séculos mais tarde, Heidegger apontará, em Carta Sobre o Humanismo, que “a libertação da linguagem dos grilhões da Gramática e a abertura de um espaço essencial mais original está reservado como tarefa para o pensar e o poetizar” [3].

A poesia, aqui, é entendida num sentido amplo, como poiesis, no passo da não existência ao ser num movimento que supõe um colapso do sentido literal, uma linha de fuga ao uso quotidiano da linguagem, apropriando-nos do argumento de Paul Ricoeur sobre o funcionamento dos processos metafóricos. “A verdade é um exército móbil de metáforas, metonímias e antropomorfismos” [4], dirá Nietzsche em Sobre Verdade e Mentira em Sentido Extra-Moral. A literatura é assim uma abertura à verdade.

Assistimos, neste número da revista Estação Literária, a uma série de fendas fundadas nesse espaço essencial mais original entre literatura e filosofia que olham as letras na procura de sentido. […]

Todo philómythos é, à sua maneira, um philósophos, é um enunciado que corre nos dois sentidos. Porém, pensar com a literatura não é a mesma coisa que pensar a literatura. Esperamos que os artigos do dossiê suscitem o interesse e o debate sobre as possibilidades e os limites dessa relação essencial mais original, nessa “noite onde as estrelas mentem luz” [5].

http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/estacaoliteraria/issue/view/1417

[1] Aristóteles. Metafísica. Madrid: Gredos. 1994. Pp 76-77.

[2] Lourenço, Eduardo. Obras Completas: III Tempo e Poesia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2016. P. 233.

[3] Heidegger, M. Cartas Sobre o Humanismo. São Paulo: Centauro Editora. 2005. P. 9.

[4] Nietzsche, Friedrich. “Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-moral”, em Antologia de Textos Filosóficos. Paraná: Marçal, J. (org.), SEED. 2009 (pp. 530 – 541).

[5] Pessoa, F. Livro do Desassossego. Vol.I. Lisboa: Ática, 1982. P. 170.

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