Parafraseando Paul Valéry poderíamos nos perguntar, será que um filósofo pensa que uma Ética ou uma Monadologia são mais importantes do que um Soneto ou uma Ode? Ou, também, em um outro sentido, “se refutarmos um Platão, um Espinosa, não restará pois nada de suas espantosas construções? Não resta absolutamente nada, se não restarem obras de arte”. Para Valéry, em “Leonardo e os Filósofos”, a tarefa filosófica, expressada em escrita, reside numa contradição, pois trata de um universal que aparece, qual acidente, sob forma verbal. Esse aspeto justifica a classificação do filósofo como artista. O drama, ou a comédia, da filosofia, começa, em palavras de Valéry, quando, o filósofo se recusa em ser considerado como tal: “enquanto os pintores ou os poetas só disputam entre si a classificação, os filósofos disputam a existência”. Para o poeta francês deve-se ter presente que a filosofia vem expressada em uma determinada composição textual que obedece a regras formais.
Aqui, achamos interessante nos deter um pouco em uma das influências de Valéry no que diz respeito à composição textual. Edgar Allan Poe foi uma das referências que teve um impacto considerável na poesia francesa, desde Baudelaire ao próprio Valéry, passando, também, por Mallarmé. No artigo “From Poe to Valéry” (1949), publicado na revista The Hudson Review, no número 3 de 1949, T.S. Eliot analisou essa relação que causava estranheza a olhos do poeta estadunidense, já que Poe não era considerado, na altura e em seu próprio país, um grande escritor e, no entanto, sua presença na poesia francesa era relevante. Eliot se pergunta, o que é que fazia de Poe um grande poeta na França quando nos Estados Unidos não era considerado da mesma forma. Eliot remarca no artigo que Baudelaire, Mallarmé e Valéry representam o princípio, o meio e o fim de uma determinada tradição poética na França, facto que chama à atenção para a presença de Poe em períodos diferenciados e acrescenta:
And the impression we get of the influence of Poe is the more impressive, because of the fact that Mallarme, and Valery in turn, did not merely derive from Poe through Baudelaire: each of them subjected himself to that influence directly, and has left convincing evidence of the value which he attached to the theory and practice of Poe himself[1]
(Eliot, 1949: 328)
Estes três leitores franceses ficaram impressionados, em palavras de Eliot, com a variedade de expressões de Poe, na que acharam uma unidade essencial que veia veiculada pelo desenvolvimento da consciência na linguagem, que no caso francês se resume no epiteto “la poésie pure”:
First, there is the “purity” of Poe’s poetry. In the sense in which we speak of “purity of language” Poe’s poetry is very far from pure, for I have commented upon Poe’s carelessness and unscrupulousness in the use of words. But in the sense of la poesie pure, that kind of purity came easily to Poe. The subject is little, the treatment is everything[2]
(Eliot, 1949: 341)
Segundo Eliot, aquilo que os poetas franceses apreciaram em Poe foi a consciência pela linguagem e o cuidado pela composição, segundo as quais o poema era valorado não por aquilo que comunicava mas por aquilo que era: “este mesmo poema, este poema per se, este poema que é um poema e nada mais, este poema escrito somente por ele mesmo” (Poe). A autor do “O corvo” ensinou aos poetas francês a importância do processo de produção do poema a partir de uma determinada estética. Poe escreveu a partir do marco estético e teórico que tinha elaborado, não derivou, a posteriori, uma teoria dos poemas já escritos.
[1] E a impressão que temos da influência de Poe é ainda mais impressionante, pelo facto que Mallarmé, e Valéry por sua vez, não derivaram apenas de Poe através de Baudelaire: cada um deles se submeteu diretamente a essa influência, e deixou evidências convincentes do valor atribuído à teoria e prática do próprio Poe. T.d.A.
[2] Primeiro, temos a “pureza” da poesia de Poe. No sentido em que falamos em “pureza da linguagem”, a poesia de Poe está muito londe se ser pura, como comentei no que diz respeito ao descuido e a falta de escrúpulos de Poe no uso das palavras. Mas, no sentido de “la poésie pure”, esse tipo de pureza apareceu fácilmente em Poe. O conteúdo é secundário, o tratamento é tudo. T.d.A.
Uma resposta a “Uma Monadologia é mais importante do que um Soneto?”
[…] ponto que me remete às teorias da composição de Edgar A. Poe, Baudelaire, Fernando Pessoa e Paul Valéry, entre outros. Esses escritores reagem contra a teoria da poesia expressiva e dão importância ao […]
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