Bruno Ministro: “A história da poesia é uma história da repetição”

O objetivo central do colóquio é debater a expressividade material e medial das práticas poéticas contemporâneas

Bruno Ministro é um dos responsáveis do colóquio “Poesia Expandida: Poéticas e Políticas da Repetição”, organizado pelo Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa da Universidade do Porto, onde é investigador. O encontro toma como eixo aglutinador a reflexão sobre o conceito de repetição no quadro das poéticas expandidas do tempo presente e consta já com 49 falas de 19 países. Bruno responde algumas perguntas sobre o colóquio, a poesia e a repetição.

Como surgiu a ideia de realizar o colóquio “Poesia Expandida: Poéticas e Políticas da Repetição”?

Bruno Ministro

A ideia para o colóquio surgiu da vontade de juntar investigadores/as num debate comum em torno da noção de repetição na poesia contemporânea e seus mais diretos antecedentes. Desde o início, o objetivo foi partir do conceito de repetição, na sua vasta amplitude, para perceber como ele é central naquelas formas poéticas que questionam fronteiras artísticas, mediais e disciplinares e que, por isso, nos devolvem uma poesia no campo expandido, para glosar abertamente o conhecido ensaio de Rosalind Krauss acerca da escultura ou o livro Expanded Cinema, de Gene Youngblood, sobre a arte cinematográfica.

A ideia foi bem recebida e apoiada, desde o primeiro minuto, pela direção do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, que é a unidade de investigação organizadora desde evento através do grupo de investigação em Intermedialidades. Este grupo, de resto, vem já trabalhando em temas e áreas afins de há algum tempo a esta parte. Vários dos seus membros integraram a comissão científica do colóquio. Nesse sentido, e enquanto investigador do Instituto e deste grupo, espero que o colóquio possa contribuir para continuar esse trabalho e projetar de forma renovada as suas linhas investigação.

“A repetição pode também ser uma via para entender os períodos e movimentos literários e as relações que estes estabelecem entre si”

A noção de repetição parece-me maleável o suficiente para pensarmos nela sob vários pontos de vista. O call for papers do nosso colóquio desenvolveu-se sobretudo em torno de duas ideias. Por um lado, a de que podemos pensar uma série de características da poesia ao longo da sua história como formas de repetição. Essas características incluem, não só os mecanismos repetitivos da própria linguagem (que é ela mesma uma grande repetição), como também uma série de outras características de natureza formal ou estrutural marcadas justamente pela repetição. Por outro lado, o cfp colou-se ainda à ideia – que admito é algo provocatória, porém não é uma invenção de hoje – de que a repetição pode também ser uma via para entender os períodos e movimentos literários e as relações que estes estabelecem entre si. Isto porque, se olharmos além da superfície, percebemos que até as vanguardas, com a proposta de variação radical que lhes reconhecemos, se implicaram sempre num gesto de repetição de períodos históricos anteriores. Há corte e variação, mas há também repetição, até enquanto reivindicação de um passado numa outra tradição que não a dominante. E isso é interessante.

Portanto, num quadro geral, temos a repetição enquanto possibilidade de entendimento diacrónico mas também enquanto possibilidade de abertura à sincronia. Isto sem esquecer a dimensão dialógica da repetição. Pareceu-me (e parece-me) uma imagem potente para uma categoria tão desvalorizada e evitada como a da repetição. Claro que estas são só algumas das vias possíveis para pensar este tema. Veremos o que nos dizem os/as participantes do colóquio!

O resultado desta ideia inicial é um programa muito intenso, tanto ao nível da quantidade das propostas como da sua qualidade. São 45 comunicações de 46 participantes, a que se somam os conferencistas convidados para as keynotes. Teremos a sorte de poder contar com quatro incríveis keynote speakers que têm trabalhado questões de repetição a partir de diferentes perspetivas e focados em objetos de investigação muito diversos: Felipe Cussen (U. Santiago Chile), Jacob Edmond (U. Otago), Rita Raley (U. California, Santa Barbara) e Rui Torres (U. Fernando Pessoa).

“A história da poesia é uma história da repetição”, anunciava o call for papers do colóquio. Distinguem repetição de imitação?

Estou ansioso para ouvir o que acham os/as participantes do colóquio e os nossos/as keynote speakers!

A meu ver, a imitação pode perfeitamente ser um tipo de repetição dentro do quadro estabelecido no call for papers. Não estou, com isto, a tecer qualquer juízo de valor (para o bem ou para o mal) em relação quer à imitação, quer à repetição, ou até a outros conceitos vizinhos como a cópia.

“A imagem computacional representou um escândalo ontológico na medida em que, pela primeira vez na história, ela colocou diante dos nossos olhos um objeto que não tinha referente no mundo tangível”

Sabemos, por exemplo, que a imitação é algo diferente da cópia em contextos como o pensamento de Walter Benjamin, que nos disse de modo muito claro que a imitação sempre existiu. Portanto, a cópia, no sentido de reprodução técnica, implicava algo diferente da imitação como até ali ela era concebida e praticada. Cópia e imitação – que podem ambos querer dizer repetição e são definitivamente gestos repetitivos – não só não são equivalentes no pensamento de Benjamin como, de certa maneira, podemos mesmo dizer que se opõem.

Saltando algumas décadas, tudo se torna mais complexo se pensarmos como para Abraham Moles, por exemplo, a imagem computacional representou um escândalo ontológico na medida em que, pela primeira vez na história, ela colocou diante dos nossos olhos um objeto que não tinha referente no mundo tangível. Se quisermos colocar assim, a imagem gerada por computador não imita nem copia um objeto pré-existente. Por outras palavras ainda, trata-se de uma cópia sem original. Então, mas a história não se repetia? O que fazer com isto?

Na falta de uma resposta mais definitiva, a melhor solução pareceu-me organizar um colóquio sobre poesia e repetição!

O colóquio privilegiou propostas atentas às expansões das fronteiras artísticas, mediais e disciplinares que caracterizam as práticas pós-literárias no século XXI. A tecnologia manifesta a tese do colóquio que podemos formular também dizendo que não há criação sem repetição ou cópia. Como ponderar ou valorar esteticamente uma criação nesse contexto?

Abraçando o paradoxo. Incluindo aquele que supostamente opõe repetição e variação, mas também cópia e original, criação e replicação, produção e reprodução – e, já que falamos de tecnologia, analógico e digital. Penso que a resposta é simples (porque breve) mas não está isenta de maior complexidade. Conto que haja muito espaço no colóquio para pensar sobre estes e outros temas afins. Pessoalmente, uma das questões que mais me interessa pode colocar-se nos seguintes termos: se considerarmos que toda a repetição é também uma forma variação, quer isso dizer que a repetição não existe ou tudo é repetição?

A convocatória teve um resultado muito positivo, com propostas de 19 países diferentes. E vai contar com palestras em português, inglês e espanhol. Como valora e explica esse interesse?

Na verdade, o interesse foi maior do que o programa final pode mostrar. Das 70 propostas recebidas em resposta à convocatória, apenas 45 comunicações puderam ser integradas no colóquio.

Inclusivamente, isto já representou uma extensão do número de vagas previstas de início. Passamos, assim, para um programa mais intenso em termos horários, mas passamos também, na minha opinião, para um outro patamar dentro da diversidade temática e da densidade crítica das propostas que o evento oferece. A comissão científica do colóquio foi determinante neste processo de avaliação e seleção. Esta comissão foi composta por muitos/as dos/as especialistas que estão a trabalhar com temas afins em várias instituições nacionais e estrangeiras e que, generosamente, deram um apoio imprescindível para o programa a que chegamos no final. Alguns deles/as vão agora ajudar também com a moderação das sessões, o que só virá somar interesse a essas mesmas sessões e aos debates.

Enquanto organizador, acreditei, desde o início, que o tema da repetição teria uma amplitude capaz de englobar várias perspetivas e objetos de estudo. O call for papers tentou abrir-se a estas múltiplas linhas de investigação e, ao mesmo tempo, procurou especificar ao que vimos de forma inequívoca. O objetivo central do colóquio é debater a expressividade material e medial das práticas poéticas contemporâneas procurando entender quais as implicações culturais, sociais e políticas dos gestos de repetição. Parece que o apelo resultou. O mais interessante foi que, ao mesmo tempo que houve esta adesão gerada pelo facto de várias pessoas verem afinidades no call for papers com as suas próprias pesquisas, houve também, nas propostas que nos chegaram, uma grande diversidade de ângulos de abordagem, obras e autores estudados e, sobretudo, posicionamentos em relação ao que falamos afinal quando falamos de repetição. É tudo o que se quer!

No que diz respeito às línguas de trabalho, o colóquio foi pensado desde o início enquanto iniciativa multilíngue e descentrada (no espaço, mas também no tempo – houve que compatibilizar muitos fusos horários diferentes num só programa!). Além do português, inglês e espanhol, todas representadas no programa final, o call for papers concebia também a possibilidade de apresentações em francês. Com imensa pena minha, não nos chegou nenhum resumo nessa língua. Ficamo-nos pelo múltiplo de três, que já é bastante expressivo. Com esta abertura a várias línguas, o colóquio não só quis expandir-se a diferentes comunidades linguísticas, como, é preciso assinalar, este é já uma das práticas correntes do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa nos seus eventos e publicações. Acreditamos na abertura, inclusão e diluimento de fronteiras.

Pode detalhar quais são esses países que irão participar?

Uma das estratégias materiais de repetição muito presente na poesia contemporânea passa pela criação de listas. Aqui fica uma lista dos 19 países representados no colóquio:

Alemanha, Brasil, Canadá, Chile, China, Coreia do Sul, Espanha, Estados Unidos da América, Índia, Itália, México, Nova Zelândia, Paquistão, Polónia, Portugal, Reino Unido, Rússia, Sérvia e Suécia.

Estamos a falar de 42 instituições diferentes num universo de 50 participantes. Portugal, Brasil e Estados Unidos são os países com maior número de oradores/as no colóquio. Em altura de Mundial de Futebol, isto é praticamente um empate a três!

Já agora, porque me parece muito importante, há 31 mulheres e 19 homens, marco de diversidade de género que também já era expressivo na composição da comissão científica do colóquio.

O colóquio vai ser realizado e transmitido só online. Onde podem os interessados assistir?

Para concretizar o modelo descentrado que atrás referi, os trabalhos do colóquio serão realizados inteiramente através do Zoom. O colóquio não terá transmissão em live streaming nem gravações. Reunimo-nos, ouvimo-nos e discutimos. Quem quiser participar ainda se pode inscrever enviando um e-mail para expanded.poetry.ilcml@gmail.com. A inscrição é livre e gratuita. Todos/as são bem-vindos/as no colóquio ou nas sessões que os seus fusos horários e conhecimentos linguísticos permitirem!

Dado o sucesso da convocatória, irá ter repetição?

Quem sabe? Neste momento oscilo entre Edgard Varèse e La Monte Young: “se eu fizer um som que alguém já tenha ouvido, matem-me” (Varèse) vs “quanto mais repito menos me repito” (La Monte Young).

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